Um exemplo de emprego do Poder Cibernético
Conheça um real emprego do Poder Cibernético


Na atualidade o Poder Cibernético é aplicado de forma sutil em parcela do ciberespaço por meio da difusão de tecnologias ubíquas presente no cotidiano da vida em sociedade. Tal situação representa uma forma de emprego do Soft Power desta modalidade de poder, fugindo da tradicional visão do Hard Power direcionada à expressão militar do Poder Nacional.
Um exemplo marcante desta realidade é a utilização das plataformas digitais que viabilizam a aplicação do Poder Cibernético Cultural, permitindo a promoção de transformações comportamentais em âmbito global.
Um exemplo marcante desta realidade fica latente no depoimento de Wael Ghonim, programador egípcio do Google sobre a Primavera Árabe:
Essa revolução começou no Facebook. A mesma ferramenta que nos uniu para derrubar ditadores acabou nos dilacerando. Amplificar o espalhamento da desinformação, dos boatos, das câmaras de eco e dos discursos de ódio, transformara a sociedade em veneno puro.
A disputa entre potencias estatais é o ponto da análise das questões desenvolvidas no ciberespaço. Assim, uma nação poderá buscar a difusão de conteúdos no seio de sua sociedade e no mundo, com a finalidade de promover seu estilo de vida como modelo para a comunidade internacional.
Essa estratégia será fundamentada na aplicação do Poder Cibernético Cultural como ferramenta de nível estratégico voltada à disseminação de seus valores e crenças.
A fórmula é simples e baseia-se no aumento da produção de conteúdos voltados à conquista e manutenção de seus interesses e na proteção de sua sociedade em relação aos produtos gerados em plataformas digitais originadas em outros Estados. Tal visão é operacionalizada por regulamentações internas e efetivo controle das comunidades estrangeiras presentes em seu território.
Segundo Chirs Miller, autor do livro “A guerra dos Chips”, 2023:
O firewall da China tornou grande parte da Internet inacessível para seus cidadãos, refutando decisivamente as previsões do Ocidente de que a Internet seria uma força liberalizante. Xi se sentiu forte o suficiente na Internet para zombar a crença do Ocidente de que a Internet espalharia valores democráticos. A internet transformou o mundo em uma aldeia global, declarou Xi, ignorando o fato de que muitos dos sites mais populares do mundo, como Google e Facebook, eram proibidos na China. Ele tinha em mente um tipo de rede global diferente dos utópicos do início da era da Internet, uma rede que o governo da China pudesse utilizar para projetar poder. [...] Nenhum país teve mais sucesso que a China em aproveitar o mundo digital para fins autoritários. Ela domou as gigantes de tecnologia dos EUA. O Google e Facebook foram banidos e substituídos por empresas locais como Baidu e Tencet. [...] As empresas de tecnologia dos EUA que conquistaram acesso ao mercado chinês, como a Apple e a Microsoft, só foram autorizadas a entrar depois que concordaram em colaborar com os esforços de censura de Pequim.
O intenso fluxo populacional existente no mundo globalizado permite a formação de comunidades estrangeiras nos países mais atrativos em termos de desenvolvimento. Essas concentrações populacionais podem ser utilizadas como vetores de inserção de plataformas digitais produzidas em Estados concorrentes.
Conforme Eric Schmit, 2023:
A população de um operador estrangeiro dentro de um país introduz novos fatores culturais, econômicos e estratégicos. Há a preocupação de que essas plataformas possam fomentar, mesmo que de maneira passiva, um nível de conexão e influência que anteriormente só teria surgido de uma aliança próxima, principalmente com o uso da IA como ferramenta para aprender sobre os cidadãos e influenciá-los.
Outro aspecto relevante do Poder Cibernético Cultural é o desenvolvimento da dependência social em relação à plataforma digital.
Atualmente, 2 bilhões de pessoas utilizam o WhatsApp, 2 bilhões postam no Instagram e 1,05 bilhões empregam para diversos fins o Tik Tok. Imagine o efeito da retirada de uma dessas plataformas no seio de determinada sociedade?
Nas palavras de Daniel Huttenlocher, ganhador do Prêmio Nobel da Paz:
Se uma plataforma digital é útil e bem-sucedida, ela passa a dar suporte a funções comerciais e industriais mais amplas, e por meio dessa capacidade, pode se tornar nacionalmente indispensável. Pelo menos teoricamente, a ameaça de retirada de tal plataforma digital, seja por um governo ou uma corporação, serve como um potencial instrumento de alavancagem, mas, ao mesmo tempo, como incentivo para torná-la dispensável. Essa capacidade hipotética de armar plataformas digitais, retendo-as em um momento de crise, pode levar os governos a se engajarem em novas formas de política e estratégia.
Conforme Max Fisher:
O Tik Tok, um aplicativo de fabricação chinesa, mostra a cada usuário um fluxo de vídeos selecionado quase integralmente por algoritmos. Sua IA é tão sofisticada que o aplicativo atraiu quase imediatamente 80 milhões de usuários nos Estados Unidos, que muitas vezes o usam por horas a fio, apesar de a maioria dos seus engenheiros não falar inglês nem entender a cultura norte-americana.
Em suma, os Estados podem ser divididos em duas grandes categorias: aqueles que possuem a capacidade de desenvolver plataformas digitais e os demais que não possuem essa característica.
Ao segundo grupo cabe limitar a dependência das plataformas estrangeiras que possuem potencial de desestabilizar o tecido social, permanecer vulnerável às ações promovidas pelo Poder Cibernético Cultural desenvolvido por outro Estado que possua capacidade de geração ou buscar um equilíbrio entre a dependência de tecnologias estrangeiras com as necessidades internas.
Naturalmente, os Estados com elevada capacidade cibernética irão assumir a postura de evitar depender de produtos de qualquer outro país para funções importantes.
Fonte: Livro "O jogo de Poder no Espaço Cibernético."