GOVERNANÇA E TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTO ENTRE ESFERAS PÚBLICAS E PRIVADAS

Uma visão sobre a Governança Cibernética

12/7/20246 min ler

A relação entre Segurança e Defesa fomenta debates profundos no seio da governança global. Tal realidade é ampliada quando se trata do Espaço Cibernético, na medida em que o referido conceito não possui unanidade no seio da Comunidade Internacional.As principais potencias globais possuem suas proprias definições sobre o ciberespaço, empregando-as da maneira que lhe proporcionem maior liberdade de ação na conquista seus objetivos estratégicos. Essa condição ambiental pode ser considerada a pedra fundamental dos problemas envolvendo a “Governança Cibernética”.

Adotando-se uma visão holística sobre a problemática em estudo, verifica-se que as ações realizadas, particularmente, na camada virtual do Espaço Cibernético são sempre revestidas de anomização, que tecnicamente impedem a atribuição de reponsabilidades às ações hostis realizadas por atores estatais ou não.

Soma-se a referida conjuntura, o fato que os movimentos estratégicos realizados neste domínio promovem efeitos intra e extraciberespaço, conforme exposto por Nye, 2011. Essa condição impõe um ambiente de constante incerteza, na medida em que o atacante não demonstra suas ferramentas ofensivas e o atacado não admite os efeitos das ações recebidas. Assim, a condição de instabilis pax passa a ser considerada o status quo das relações entre os atores inseridos neste ecossistema.

Aplicando-se o pensamento prussiano de Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz, a névoa da guerra inibi ao decisor estratégico a correta visão das possibilidades do adversário, retardando o processo decisório e inibindo o impulso ofensivo. Essa condição impõe obstáculos ao estabelecimento de uma comunicação clara entre os integrantes do jogo de poder cibernético, sendo essa condição fator crítico de sucesso para o estabelecimento da Governança Cibernética, particularmente no ambiente de Segurança e Defesa cibernéticas.

Ao analisar a presente temática sob a visão dos conceitos clássicos da estrutura do Estado, a falta de fronteiras, característica ímpar que o Espaço Cibernético impõe às relações estatais, potencializa os atritos entre os múltiplos atores que buscam definir o seu controle por meio da projeção de poder, dificultando o estabelecimento da Gover­nança Cibernética global. Na mesma direção, a composição difusa e virtualizada do ciberespaço impõe a ausência de limites reais ao Estado, que, tradicional­mente, fundamenta-se no controle sobre certa dimensão territo­rial. Neste aspecto, o conceito de soberania é “relativizado” para o de autonomia, materializada pela capacidade de atuação com li­berdade de ação.

Cabe destacar que no Espaço Cibernético, encontram­-se múltiplos atores desenvolvendo atividades que, normalmente, fogem aos pilares fundamentais que integram a governança, como: transparência, publicidade, controles rígidos, etc.

Na análise dos documentos estatais de alto nível voltados à presente temática, verifica-se que os mesmos apre­sentam posturas fundamentadas em visões conflitantes sobre o controle do ciberespaço, não sendo encontrados documentos oficiais sólidos de organi­zações internacionais que busquem a implantação de uma estru­tura ou normas de governança com a isenção necessária aos as­suntos de interesse global. Desta forma, as interações no ciberespaço potencializam atritos que, a nível extremo, poderão gerar conflitos bélicos.

A limitação no desenvolvimento e aplicação do conceito de Governança Cibernética é fundamentada em duas razões basilares:

• a primeira é relativa à postura dos Estados dominantes que não desejam limitar sua liberdade de ação por meio de regulamentação internacional que será efetiva contra potências democráticas, mas pouco práticas aos Estados autoritários; e

• a segunda são as prioridades diferentes que cada Estado des­tina ao referido ambiente.

Em síntese, a preocupação recai sobre a sua utilização por Estados democráticos e autoritários.

Verifica-se que a velocidade com que as tecnologias são implementadas, normalmente, supera a capacidade de concepção de medidas de segurança em torno delas, limitando a eficiência e eficácia da Governança Cibernética.

Neste cenário, o estabelecimento de uma sólida Governança Cibernética, torna-se essencial para mitigar tensões, que possui poten­cial para conduzir os Estados à relevantes atritos.

Deve-se colher os ensinamentos produzidos na Guerra Fria, na questão pontual da crise nuclear que, por meio da governança, evitou-se o emprego de armas de destrui­ção em massa.

Essa postura passa pela abertura à construção de diálogos voltados às defi­nições de limites para o emprego do Poder Cibernético, particu­larmente no viés militar, sobre os modelos de guerra que não en­volvem diretamente o campo de batalha; o reconhecimento da capacidade de destruição em massa das armas cibernéticas, iniciando neste ponto o pro­cesso de transparência necessário à geração da governança; a redução da “nebulo­sidade” que envolve a temática cibernética que é alimentada pela postura sigilosa adotada pelos Estados no desenvolvimento de suas doutrinas cibernéticas; e no emprego da diplomacia como vetor de atuação sistêmica para evitar a pro­liferação descontrolada da utilização militar do Poder Cibernético.

Em suma, a ética voltada à preservação da humanidade, torna-se a pílula mágica para o estabelecimento da Governança Cibernética, posto que o Poder Cibernético não pode ficar unicamente voltado as vantagens tecnológicas advindas de seu emprego sem ser limitado pelos impactos sob a vida humana.

O processo de construção da Governança Cibernética deve ser entendido como o somatório das relações estabelecidas para o controle e desenvolvimento dos fatores que condicionam a existência do ciberespaço, destacando-se: os insumos tecnológicos, as fontes energéticas, a capacidade de inovação, a promoção das relações público-privadas, o desenvolvimento de tecnologias disruptivas emergentes, o estabelecimento de parcerias estratégicas, a capacidade satelital, o controle dos pontos de convergências estruturais e o grau de inserção da população neste domínio.

Dos fatores apresentados, destaca-se no contexto da Segurança e Defesa Cibernética, a promoção das relações público-privadas devido à conditio sine qua non de transferência de conhecimento entre esferas públicas e privadas para a defesa de infraestrutras críticas relacionadas ao Espaço Cibernético.

A observação dos conflitos recentes permite a constatação do emprego da guerra cibernética para degradar o poder político envolvidos nas questões bélicas. O poder cibernético é empregado para reduzir o apoio da sociedade a seus governantes fruto das ações cibernéticas sob infraestruturas criticas prestadoras de serviços básicos, como energia, água, transportes e saúde. Desta forma, busca-se, por meio dos efeitos cibernéticos promovidos sob as infraestrutras críticas, a degradação da política de estado, na proporção que o referido ente não é capaz de promover sua missão profícua, ou seja, o Bem Comum.

Essa estratégia coloca as infraestruturas críticas no centro do processo de seleção de alvos nos conflitos cibernéticos, impondo a integração das estruturas do Estado voltadas a Segurança Cibernética com as direcionadas a Defesa Cibernética.

Conforme abordado anteriormente, a condição de instabilis pax instaurada no Espaço Cibernético não permite a dissociação entre as estruturas de segurança e defesa direcionadas à proteção das infraestrutras críticas.

Desta forma, deve-se estabelecer uma metodologia que permita, de forma pragmática, a seleção dentre todas as infraestruturas criticas existente no país, aquelas de interesse da Defesa.

Esse subgrupo de infraestruturas criticas passam a compor o Espaço Cibernético de interesse da Defesa, sendo potencializada a integração das estruturas orgânicas voltadas à segurança cibernética com a estruturas estatais vocacionadas à defesa cibernética.

Essa sinergia é condição essencial para a promoção de respostas adequadas e oportunas às ações cibernéticas desenvolvidas pelos adversários. Neste ponto, a necessidade de uma Governança Cibernética interna robusta é reforçada, sendo materializada pelo estabelecimento de protocolos de integração a nível político-estratégico e a nível operacional-tático entre a esfera privada, normalmente dententora da maior parcela das infraestrutras criticas e a pública, representado pelos comandos de defesa cibernética estabelecidos na estrutura da Defesa Nacional.

Assim, impõe-se que sistemas compartilhados de dados de infraestruturas criticas sejam implementados a nível de governança de segurança e defesa cibernéticas para permitir a adoção de postura proativa em prol dos interesses nacionais.

Cabe ressaltar que muitas das inovações tecnológicas e expertise cibernética vêm do setor privado, enquanto o setor público é responsável por garantir a segurança nacional e internacional.

Infere-se, finalmente, que o estabelecimento da Governança Cibernética global torna-se essencial para afastar o emprego de armas cibernéticas, em veleocidades exponenciais e descontroladas, nos conflitos multidimencionais. Na mesma medida de importância, o estabelecimento de Governança Cibernética interna é fator critítico de sucesso para a implantação da segurança e defesa ciberneticas, particularmente das infraestrutras criticas, por permitir a construção de protocolos de respostas envolvendo as estrutras das esferas pública e privada de forma interoperável.